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Uma mulher segurando um livro sobre textos cruéis.
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Tudo sobre tipos em PHP

Nawarian
Nawarian php

PHP é uma linguagem dinamicamente tipada e até o ano de 2015 quase não tinha suporte para declarar tipos de forma estática. Já era possível realizar um cast para tipos escalares de forma explícita no código, mas declarar tipos escalares em assinaturas de métodos e funções não era possível até a chegada do PHP 7.0 com as RFCs Scalar Type Declarations e Return Type Declarations.

Mas isso não significa que a partir da versão 7.0 o PHP passou a ser estaticamente tipado. O PHP possui type hints que podem ser analisados de forma estática mas ainda oferece suporte a tipos dinâmicos e, inclusive, nos permite misturar os dois formatos.

Veja o exemplo abaixo:

<?php

function retornaInt(): int
{
  return '100';
}

Sem sombra de dúvidas tem um conflito de tipos aí em cima. O retorno deveria ser um int e o valor retornado é na verdade uma string. O que o PHP faz internamente é automaticamente transformar o token '100' num inteiro para poder retornar o tipo necessário. Mesmo que pareça trazer um custo extra, não é o caso. O type juggling (malabarismo de tipos) do php é quase livre de processamento extra em muitos casos.

Para esclarecer de uma vez por todas como a linguagem lida com tipos, eu escrevi este arquivo em secções distintas para você:

  • Tipos de tipos no PHP
  • "Operações" com tipos no PHP
  • Os Union Types
  • Malabarismo de tipos, ou type juggling
  • Os modos de tipagem

Se você tiver alguma sugestão de o que adicionar aqui, sinta-se livre pra me dar um toque no twitter ou abrir uma issue no github.

Aahh!! Se você curte este tipo de conteúdo mais aprofundado e tal, dá uma ligadinha nesse artigo que eu escrevi sobre como funciona o Just In Time compiler que vai entrar no PHP 8.0! Abre numa abinha aí e lê em seguida, tu não vai se arrepender! 😉

Conteúdo


Tipos de tipos no PHP

O sistema de tipos do PHP é bem simplificado quando se trata de funcionalidades da linguagem. Por exemplo, não existe um tipo char, ou valores unsigned (sem sinal) ou mesmo as variações de inteiro int8int16int32int64...

O tipo char é simplificado para tornar-se string e todos inteiros são simplificados em um tipo integer. Se isso for ou não uma coisa boa fica a seu critério.

Caso esteja se perguntando: o equivalente em PHP ao typeof do JS é a função gettype().

Você sempre pode inspecionar o tipo de uma variável usando a função gettype() ou a função var_dump().

O PHP vem com três tipos de tipos: tipos escalarestipos compostos e tipos especiais.

Tipos escalares

Tipos escalares são fundamentais na linguagem e são no total quatro:

  • Boolean (bool | boolean)
  • Integer (int | integer)
  • Float (float | double)
  • String (string)

Por definição, um tipo escalar não possui comportamento ou estado. Expressões como 100->toString() ou 'thephp.website'::length()' são ilegais!

Resumão do ENEM: tipos escalares não possuem comportamento ou estado, eles só representam um valor.

Tipos compostos

Tipos compostos são muito mais interessantes porque mesmo que eles sejam similares aos tipos escalares, cada um dos quatro tipos compostos possui diferentes sintaxes.

Os quatro tipos compostos são:

  • array
  • object
  • callable
  • iterable

O tipo composto Array

Um array na realidade é um hashmap, que vem por padrão com a linguagem PHP. Isto significa que seus valores são guardados no formato chave => valor mesmo que você o utilize como um vetor.

Arrays são estruturas muito flexíveis quando se trata de tamanho, tipos internos e mapeamento chave-valor. Os exemplos abaixo são todos arrays válidos:

<?php

$vec = [0, 1, 2];
// $vec[1] é int(1)

$map = ['a' => 1, 'b' => 2];
// $map['a'] é int(1)

$quase_map = ['a' => 1, 0 => 2];
// $quase_map['a'] é int(1)
// $quase_map[0] => é int(2)

Diferente do C, o PHP não vai te obrigar a definir o tamanho dos arrays antes de criá-los. Isto, como era de se esperar, traz um custo em memória: o quão maior for o tamanho do seu array, mais memória você consumirá em proporções absurdas (na real, arrays são alocados em potências de 2). Como este consumo de memória acontece está fora do escopo deste artigo, me dá um toque se tu quiser saber mais sobre este tópico em particular.

Caso você esteja curioso sobre o que eu disse acima, tem uma apresentação muito interessante do Nikita Popov sobre o consumo de memória entre arrays e objetos.

Como você poderá verificar abaixo, arrays também são considerados como sendo do tipo iterable, isto significa que você pode iterar sobre eles usando um laço foreach. Mas eles também oferecem funções específicas que podem manipular seus ponteiros internos

Resumão do ENEM: O tipo array é um tipo composto extremamente flexível e pode ser considerado um HashMap e também é um tipo iterable

O tipo composto Object

Por conta da arquitetura do PHP, o tipo composto object normalmente tem um perfil de consumo de memória bem menor quando comparado aos arrays. Isto porque normalmente uma pessoa usaria o tipo object criando instâncias de classes.

Objetos podem carregar estado e comportamento consigo. Significa que o php oferece sintaxes para desreferenciar as entranhas de um objeto. O snippet abaixo ilustra como a operação de desreferência funciona:

<?php

class MinhaClasse
{
  private const A = 1;
  public int $propriedade = 0;
  public function metodo(): void {}
}

$obj = new MinhaClasse();
// $obj é object(MyClass)
// $obj::A é int(1)
// $obj->propriedade é int(0)
// $obj->metodo() é null

Um objeto também pode ser criado normalmente como resultado de um type cast a partir de um array. Transformando as chaves do array em nomes de propriedades. Este tipo de cast vai resultar em um tipo object(stdClass).

<?php

$obj = (object) ['a' => 1];
// $obj é object(stdClass)
// $obj->a é int(1)

Vale ressaltar que converter um array com chaves numéricos em um objeto é válido, mas não é possível desreferenciar o seu valor porque propriedades de objetos não podem começar com números.

<?php

$obj = (object) [0, 1]; // Legal
$obj->0; // Ilegal

Resumão do ENEM: objetos normalmente têm um perfil de memória menor que o dos arrays, carregam consigo estado e comportamento, e podem ser criados ao converter um array.

O tipo composto callable

Um callable (chamável) no php é qualquer coisa que pode ser chamada (é mermo é?) usando parêntesis ou com a função call_user_func(). Ou sejE, um callable é capaz de cumprir o papel de o que conhecemos como funções. Funções e métodos sempre são callables. Objetos e classes também podem se tornar callables.

Um callable pode, por definição, ser guardado numa variável. Como a seguir:

<?php

$callable = 'strlen';

Quê?! Mas isso não é uma string, doido!?

Até que é. Mas ele pode ser coagido (coerced) num callable se for necessário. Como abaixo:

<?php

function chameUmCallable(
  callable $f
): int {
  return $f('thephp.website');
}

$callable = 'strlen';

var_dump(
  $callable('thephp.website')
);
// int(14)

var_dump(
  chameUmCallable($callable)
);
// int(14)

Callables também podem apontar para um método de um objeto:

<?php

class MinhaClasse
{
  public function meuMetodo(): int
  {
    return 1;
  }
}

$obj = new MinhaClasse();
var_dump([$obj, 'meuMetodo']());
// int(1)

Parece estranho? Eu sei que tem cara de array. Na real é um array mesmo. A não ser que você o trate como um callable 👀

Este tipo de callable acima (referência de método de objeto) é muito interessante porque você pode chamar métodos privados ou protegidos com ele se você estiver dentro do escopo da classe. Caso contrário, você pode somente chamar métodos públicos.

E também as classes que implementam o método mágico __invoke(), automaticamente transforma suas instâncias em callables. Como a seguir:

<?php

class MinhaClasseCallable
{
  public function __invoke(): int
  {
    return 1;
  }
}

$obj = new MinhaClasseCallable();
var_dump($obj());
// int(1)

Resumão do ENEM: callables são referências para funções ou métodos e podem ser construídos de maneiras distintas.

O tipo composto iterable

Iterables são muito mais simples de explicar: eles são, por definição, um array ou uma instância de Traversable interface. A coisa mais importante de um iterable é que ele pode ser usado num laço foreach(), num yield from ou com o operador de propagação (spread operator).

Exemplos de iterables são:

<?php

function funcao_generator(): Generator
{
  // ...
};

// Todas variáveis aqui são iterables
$a = [0, 1, 2];
$b = funcao_generator();
$c = new ArrayObject();

Resumão do ENEM: se você pode colocar num foreach(), é um iterable.

Tipos Especiais

Existem dois tipos especiais. E a maior razão pela qual eles são chamados "especiais" é que não é possível converter para estes tipos. Os tipos especiais são o tipo resource e o tipo NULL.

Um resource representa um conector para um recurso externo. Que pode ser um conector para um arquivo, um fluxo de E/S ou uma conexão com banco de dados. Você talvez possa adivinhar o motivo de não poder fazer um cast para qualquer outro tipo de resource.

O tipo null representa um valor nulo. Isto significa que uma variável com NULL não foi inicializada, foi atribuída com o valor NULL ou apagada em tempo de execução.

Resumão do ENEM: uma variável de tipo especial não pode ser convertida para qualquer outro tipo.

E as instâncias de classe?

Instâncias possuem o tipo object e serão sempre representadas desta forma. Chamar a função gettype() num objeto sempre irá retornar o valor string("object") e chamar a função var_dump() no mesmo objeto sempre irá imprimir seu valor usando a notação object(NomeDaClasse). Se você precisar pegar a classe de um objeto no formato string, utilize a função get_class().

<?php

$obj = new stdClass();

echo gettype($obj);
// object

var_dump($obj);
// object(stdClass)#1 (0) {
// ...

echo get_class($obj);
// \stdClass

"Operações" com tipos no PHP

Existem diferentes "operações" que podem ser feitas com tipos no PHP. Eu acho que é importante deixar bem claro estas operações aqui para que não misturemos as bolas depois.

Malabarismo de tipos (type juggling): cast e coerção de tipos

Antes de a gente se aprofundar, aqui vão três definições importantíssimas:

  1. Conversão de tipo significa transformar um tipo de A para B. Por exemplo: de um inteiro para um float.
  2. Cast de tipos significa converter manual ou explicitamente um tipo de A para B. Como em $cem = (int) 100.0. (float(100.0) virou int(100))
  3. Coerção de tipo significa converter implicitamente um tipo de A para B. Como em $vinte = 10 + '10 bananas';. (string("10 bananas") virou int(10))

Tendo isto em mente, as próximos secções vão explicar como isso funciona no php. E mais pra frente você encontrará mais informações sobre o malabarismo de tipos (type juggling).

Cast de tipos

De forma semelhante ao Java, o PHP nos permite fazer cast de tipos. Isto significa que quando uma variável aponta para um valor que pode ser transformado num tipo diferente, a linguagem nos permite uma conversão manual (explícita) de tipos.

Pera, pera... É O QUE!? 🤨

Ó: uma variável $cem segurando string("100") pode ser convertida manualmente (cast) para tornar-se int(100) ou float(100.0) - ou qualquer outro tipo escalar ou um dos tipos compostos array ou object.

O snippet a seguir funciona perfeitamente no PHP e é bem parecido com o Java:

<?php

$cem = (int) '100';
// $cem agora é int(100)

Agora, uma coisa que o Java faz e é completamente ilegal no php, é converter (cast) um ponteiro de variável numa classe diferente. Isto significa que a gente só pode converter tipos escalares e alguns tipos compostos no php:

<?php

class MinhaClasse {}

// Gera um parse error
$ilegal = (MinhaClasse) new stdClass();

Importante notar! No PHP só é possível fazer cast de tipos para tipos escalares*. Portanto fazer o cast de um objeto para uma classe diferente é ilegal, mas fazer um cast de objeto para um tipo escalar é completamente válido.

Também possível fazer o cast de valores para os tipos array ou object, que não são tipos escalares mas sim compostos (dar nome pr'esses coiso tudo é osso, né?).

<?php

class MinhaClasse {}

$obj = new MinhaClasse();
$um = (int) $obj; // int(1)

O código acima gera alguns notices mas ainda assim é válido. Mais tarde eu explico de onde veio esse int(1).

Resumão do ENEM: o php permite realizar cast de tipos para escalares, arrays ou objetos. Fazer o cast para classes não é permitido.

Coerção de tipos

A coerção de um tipo acontece como um efeito colateral de trabalhar com tipos incompatíveis ou não declarados. Eu explico melhor mais pra frente neste artigo. Por agora apenas confia que o PHP vai automaticamente fazer o cast dos tipos o seu código em tempo de execução quando necessário.

Um exemplo de coerção de tipos pode ser multiplicar um integer por um float. Na expressão int(100) multiplicado por float(2.0) o resultado é um float(200).

<?php

var_dump(100 * 2.0);
// float(200)

Resumão do ENEM: o php tem um mecanismo para normalizar tipos em tempo de execução de forma implícita e você deve sempre prestar atenção nisso!

Type hints

O type hinting é um mecanismo de, ao mesmo tempo, reforçar a coerção de tipos e de import tipagem estrita. Isto foi introduzido ao php na versão 7.0 e transforma assinaturas de métodos e funções. Desde o php 7.4 também é possível fazer type hint com propriedades de classes.

Abaixo vai um exemplo de type hint:

<?php

function somar(
  int $a,
  int $b
): int {
  return $a + $b;
}

As dicas (hints) aqui dizem que a variável $a é do tipo int naturalmente ou transformada pela linguagem, a variável $b também é do tipo int e o resultado desta função será do tipo int, de forma natural ou transformada automaticamente pela linguagem (coerção).

Reparou que eu disse que elas são de certo tipo "de forma natural ou transformada automaticamente pela linguagem (coerção)"? Isso porque o PHP não vai reclamar se você chamar esta função com valores que não são do tipo int. O que vai acontecer, aliás, é que o php vai tentar converter implicitamente (coerção) os parâmetros em inteiros se o tipo não for o esperado.

No corpo da função a seguir você pode sempre ter certeza de que $a e $b são inteiros. Mas de que os inteiros estão corretos somente quem chama função pode garantir.

<?php

function somar(
  int $a,
  int $b
): int {
  // $a é int(10)
  // $b é int(10)
  return $a + $b;
}

somar('10 maçãs', '10 bananas');

Também é possível ativar uma diretiva chamada strict_types para evitar coerções e simplesmente gerar erros quando tipos inválidos são utilizados. Como à seguir:

<?php

declare(strict_types=1);

function somar(
  int $a,
  int $b
): int {
  return $a + $b;
}

somar('10 bananas', '10 maçãs');
// PHP Fatal error: Uncaught
// TypeError: Argument 1 passed
// to somar() must be of the type
// int, string given

Isso não significa que o php é estaticamente tipado quando strict_types está ligado! Na realidade, o type hinting apenas adiciona um processamento extra. Internamente ele sempre fará o malabarismo de tipos (type juggling) e nunca irá confiar nos type hints da sua variável.

Type hints servem a dois propósitos: definir em quais tipos um valor deveria ser coagido OU gerar erros fatais quando os strict types estiver ligado.

Resumão do ENEM: type hints apenas dão dicas sobre os tipos para o php, não ordens! Usar strict types é uma escolha que você pode tomar e trará um pequeno processamento extra consigo.

Union Types

Antes de a gente falar de malabarismo de tipos (type juggling) eu gostaria de falar rapidinho sobre os Union Types porque parece fazer mais sentido aqui.

Além dos três tipos que o php tem (escalares, compostos e especiais) o manual do php também menciona um pseudo-tipo que só existe para facilitar a leitura do manual. Este tipo não existe de verdade, é apenas uma convenção.

Eu gostaria que você prestasse atenção num pseudo-tipo muito específico: o array|object normalmente é utilizado na documentação para especificar parâmetros ou tipos de retorno.

O tipo iterable também é um tipo de Union Type. E pode ser definido como array|Traversable.

Desde o php 7.1 a linguagem traz um meio-que suporte a Union Types ao ter introduzido o nullable type. Se você parar pra pensar, um tipo nullable é apenas um Union de T|null. Por exemplo, ?int significa int|null.

Aposto que tu não pensou sobre isso antes! 😝

Então depois de tantos Union Types desconhecidos, o php 8.0 formalmente implementou os Union Types. Onde você pode definir qualquer Union Type que precisar sem depender de pseudo-types ou convenções. Funciona mais ou menos assim:

<?php

declare(strict_types=1);

function dividir(
  int $a,
  int $b
): int|float {
  return $a / $b;
}

A função acima pode retornar integer ou float. Mas nunca outro tipo.

Malabarismo de tipos, ou type juggling

Provavelmente não é a primeira vez que você ouviu falar no termo Type Juggling, certo? Esta é uma das funcionalidades mais importantes do php e, ainda assim, é uma das menos compreendidas.

Eu não posso culpar ninguém por não entendê-la bem. A gente chama isso de "malabarismo" por um bom motivo. Uma variável pode assumir tanto tipo diferente em cada contexto que pode ser um tanto complicado entender com qual tipo você está lidando.

Vamos começar com o seguinte: o php não permite definir tipos explicitamente na declaração de variáveis. E isso é muito poderoso!

Sempre que você declara uma variável, o php vai inferir o tipo que ela possui baseado no valor que você a deu. Enquanto $var; cria uma variável com valor NULL, $one = 1 cria um inteiro e $obj = new stdClass() cria um object(stdClass).

Aí não tem definição de tipo em canto algum! O php vai tomar conta de adivinhar qual o tipo melhor se adequa a sua variável.

As variáveis do php são muito dinâmicas, de forma que elas podem mudar de tipo em tempo de execução sem problema algum! O código abaixo é válido:

<?php

$var;
// $var é NULL

$var = 1;
// $var é int(1)

$var = 'thephp.website';
// $var é string("thephp.website")

$var = new stdClass();
// $var é object(stdClass)

E por as variáveis serem tão dinâmicas, várias operações no php exigem que os valores sejam verificados baseado no contexto da operação. Uma expressão como a soma (a + b) internamente irá verificar o tipo do primeiro operando e depois tentar adivinhar o tipo do segundo operando.

Dê uma sacada nesse snippet do código fonte do php. Se op1 for long (a é um inteiro) então verifique se op2 também é long (b é inteiro). Se sim, faça uma soma de longs. Se não, verifique se op2 é um double e faça uma soma de doubles se sim. E esta expressão pode retornar um inteiro ou um float.

E é por isso que eu te garanto que o malabarismo de tipos (type juggling) vai acontecer automaticamente.

Isso também significa que coerção de tipos (conversões implícitas) vão acontecer automaticamente. Mas elas não deveriam ser uma surpresa! Há momentos muito específicos onde uma coerção de tipos deve acontecer.

Coerção de tipos (e, portanto, malabarismo de dados) ocorrem quando:

  • resolvem-se expressões
  • passam-se argumentos para uma função ou método
  • retorna-se de uma função ou método

Você pode estar se perguntando: ué, se coerção acontece em todo canto então como o php lida com tipos incompatíveis? Converter um inteiro para boolean parece normal, mas um array para inteiro já começa a ficar estranho.

Bem, o php tem regras muito bem definidas para fazer conversão de tipos. Primeiro entende-se qual o tipo que o resultado deveria ter e só então é feita a conversão.

Por exemplo, se uma expressão ocorrer dentro de um if() a gente pode perceber rapidinho que aquela expressão deve resultar em um tipo boolean.

<?php

$var = 100;
// $var é int(100)

// $var é tratado como
// boolean e resulta
// em TRUE
if ($var) {
  // $var ainda é int(100)
}

// $var ainda é int(100)

Repare como $var era int(100) durante todo seu ciclo de vida, mas foi tratada como bool(TRUE) dentro daquele if(). Isto ocorre porque o if() espera uma expressão que retorna um boolean. O malabarismo de tipos (type juggling) é justamente o que o php fez por debaixo dos panos para você.

Para ilustrar, aqui vai a lista de verificações ao converter um tipo em boolean. Uma conversão para boolean retorna false quando o valor original for:

  • um bool(FALSE)
  • um int(0) ou int(-0)
  • um float(0) ou float(-0)
  • uma string vazia string("") ou a string zero string("0")
  • um array vazio array()
  • um NULL
  • uma instância de SimpleXML criada a partir de tags vazias

E irá retornar true para qualquer outro valor.

A tabela acima pode ser encontrada na seção "Converting to boolean" do manual.

A documentação completa sobre as comparações de tipos e tabelas de conversões também podem ser encontradas no manual da linguagem. Eu não tomei coragem de ler, mas faz parte do meu trabalho dizer que elas existem e te mostrar onde 🤷🏻‍♀️

Nota importante aqui: no php 8.0 os union types foram introduzidos e trouxeram consigo uma camada extra de complexidade. O malabarismo de dados (type juggling) quando lida com Union Types precisa seguir uma regra de precedência. E essa precedência é pré-definida em vez de depender da ordem dos tipos declarados.

Então se você não estiver usando strict_types os seus Union Types vão seguir esta regra. Se o Union Type não contém o tipo do resultado, ele poderá fazer a coerção deste valor na seguinte ordem de precedência: intfloatstring e bool.

Por exemplo:

<?php

function f(
  int|string $v
): void {
  var_dump($v);
}

f(""); // string ESTÁ no union type
// string("")

f(0); // int ESTÁ no union type

f(0.0); // float NÃO ESTÁ no union type
// int(0)

f([]); // array NÃO ESTÁ no union type
// Uncaught TypeError:
// f(): Argument #1 ($v)
// must be of type string|int

No exemplo acima algo interessantíssimo acontece! O tipo array não será convertido para um bool(FALSE). Ele gera um TypeError em vez disso!

Os modos de tipagem

Você já deve ter percebido que existem duas formas de o php lidar com tipos. Uma delas é chamada "Coercive Type Mode" onde acontece todo aquele malabarismo e adivinhações de tipos. A outra é o "Strict Type Mode" onde o malabarismo e a adivinhação ainda acontecem, mas quando os tipos são definidos explicitamente alguns TypeErrors serão lançados quando os tipos não forem compatíveis.

Agora, eu vejo como algo normal que pessoas programadoras de php possam esperar que a linguagem respeite a Lei da Troca Equivalente (等価交換法) e lhe pague com ganho de performance o esforço de usar strict types porque ela será então capaz de pular todas as verificações de tipos e executar as operações diretamente.

Ao passo que eu entendo o motivo de alguém pensar desta forma, eu preciso lhe dizer: está completamente errado! O código a seguir contém a lógica da função strlen() no código fonte do php.

Toda vez que é necessário verificar se o php está operando no modo "Strict Type", pode-se buscar o boolean a partir da chamada EX_USES_STRICT_TYPES(). Se true, o strict types está ligado. Se não, o modo coercivo está.

Agora, veja o snippet novamente! Ele começa assim:

// ...
zval *value;

value = GET_OP1_ZVAL_PTR_UNDEF(BP_VAR_R);
// value é o parâmetro
// de strlen()

if (EXPECTED(
  Z_TYPE_P(value) == IS_STRING
)) {
  ZVAL_LONG(
    EX_VAR(
      opline->result.var
    ),
    Z_STRLEN_P(value)
  );
  FREE_OP1();
  ZEND_VM_NEXT_OPCODE();
} else {
  // ...
}

Reparou naquele primeiro if() alí? Adivinha o que ele tá fazendo... EXATO! Ele verifica pra ti o tipo do parâmetro!!

Sabe o que esse mesmo trecho de código está fazendo com o seu type hint? NADINHA! 🤣

A cláusula else possui o código TALVEZ vá usar strict types ou não.

// ...
} else {
  // Ok, estamos progredindo
  zend_bool strict;

  // 😭
  if (
    (OP1_TYPE & (IS_VAR|IS_CV)) &&
    Z_TYPE_P(value) == IS_REFERENCE
  ) {
      // ...
  }

  // ...

  // OPA! 👀
  strict = EX_USES_STRICT_TYPES();
  do {
    if (EXPECTED(!strict)) {
      // ...
    }
    zend_internal_type_error(
      strict,
      /*...*/
    );
    ZVAL_NULL(
      EX_VAR(opline->result.var)
    );
  } while (0);
}

No trecho acima podemos ver um exemplo de como o modo strict type não corta nenhum processamento. Na verdade, acabou criando algumas verificações a mais com um único propósito: gerar erros fatais.

Eu não quero dizer que esta é uma implementação ruim. Eu pessoalmente estou bem contente com a forma que o php funciona. Mas eu acho que é importante deixar claro que isto não irá afetar a performance de forma positiva.

Resumão do ENEM: strict types não tornarão seu código mais rápido!

Conclusão

Esse artigo deu trabalho ein! Me fez considerar um bom tanto a ideia de escrever um livro. Só este artigo já daria uns 15% de um livro bacana 😂

Eu espero que a informação que eu coletei aqui foi útil pra ti. E se não foi, que tenha sido ao menos interessante.

Eu acredito que o sistema de tipos do PHP é incrivelmente rico e carrega várias funcionalidades legadas e também inovadoras e todas elas fazem muito sentido quando você olha para a história do desenvolvimento da linguagem.

Como sempre, sinta-se livre para me dar um alô no twitter se você tiver algo a dizer. Você também pode abrir uma issue ou pull request no github e ser feliz.

Até a próxima! Valeu!

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